Cansada de passar por situações constrangedoras por conta da sua nacionalidade, Ana (nome foi alterado para preservar sua identidade) criou anonimamente ao lado de outras quatro mulheres o grupo "Brasileiras não se calam".
A página no Instagram e no Facebook reúne relatos de assédio sexual, discriminação e xenofobia de brasileiras que moram no exterior. Integrantes preferem manter o anonimato. Mas atuam nos bastidores para dar voz às expatriadas que, assim como elas, sofrem em diferentes países.
O grupo surgiu há duas semanas e já conta com mais de 9.000 curtidas no Instagram. O que motivou a criação da página foi um episódio de "Big Brother Portugal".
"Elas são de uma raça? São da favela", comentou uma sister sobre as brasileiras. A fala da participante do reality show não é um caso isolado. "São várias histórias nossas e de amigas que, infelizmente, acabamos naturalizando e silenciando".
Em uma semana, o grupo recebeu mais de 600 depoimentos. Para dar conta de responder a todas as mensagens, traduzir os relatos para inglês e postar nas redes sociais, o grupo conta com 12 voluntárias.
Um dos depoimentos é de Kyka Gasparian, 24. A paulistana decidiu se mudar para a Itália em 2017.
Quando ela estava na Itália, instalou o Tinder e falou com várias pessoas. Muitos falavam assim: "Você é brasileira? Manda foto da bunda". Teve um espanhol que falou que brasileira transa bem. Óbvio que ela o bloqueou. Mas ele achou seu Instagram e comentou em uma foto: "Eu sabia que as brasileiras tinham bunda grande".
Situação similar também aconteceu com uma das fundadoras do grupo, que não quer se identificar. "Já me relacionei com alguns homens que não me respeitavam pelo fato de eu ser uma brasileira e me tratavam como se eu fosse uma máquina de fazer sexo e não uma pessoa", explica.
As experiências acarretaram consequências emocionais. "Hoje em dia demoro muito mais para confiar em alguém, porque é como se o fato de ser brasileira significasse que só sirvo para sexo e diversão", desabafa.
É por isso que, além de compartilhar os casos nas redes sociais, o movimento conta com um grupo de advogadas e psicólogas. Elas estão formando uma rede de apoio para auxiliar outras expatriadas. "Muitas das mulheres estão bastante fragilizadas, com ansiedade e pânico. Juridicamente elas também não sabem muito a que instituições podem recorrer e quais as punições previstas na lei", explica uma das fundadoras.
Em estudo publicado em 2014 com base no material de propaganda da Embratur, órgão do governo federal responsável pela promoção do turismo, de 1966 a 2008, a pesquisadora Kelly Akemi Kajihara indica que a entidade contribuiu durante muitos anos para intensificar estereótipos no exterior, como o carnaval, futebol e a sensualidade da mulher brasileira.
Outra fundadora do grupo recém-criado explica que as expatriadas têm medo de denunciar. "Elas têm receio de perder o emprego quando o assédio é no trabalho. Algumas pedem demissão após abuso sexual. Outras nem chegam a ser contratadas, mesmo com todas as qualificações, por serem brasileiras", explica. O grupo está em busca de empresas parceiras que possam contratar essas mulheres vítimas de assédio em Portugal, onde algumas das criadoras do movimento moram.
O medo das vítimas fortalece os agressores, já que muitos sabem da dificuldade em denunciar, explica Ana Beatriz Chabloz, uma das advogadas do grupo. Ela ressalta que a vítima não deve se sentir culpada. "Precisa procurar ajuda para se proteger, seja através de colegas de trabalho ou pessoas de fora da organização, que possam dar apoio. Ignorar nunca é a melhor solução".
Fonte: Uol



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