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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

GOVERNO ATENDE A PEDIDO DE RURALISTAS E DIFICULTA LIBERTAÇÃO DE ESCRAVOS

Presidente Michel Temer

O ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira atendeu a um antigo pedido da bancada ruralista no Congresso Nacional e reduziu o conceito de trabalho escravo através de portaria publicada, nesta segunda (16), no Diário Oficial da União.

Sob a justificativa de regulamentar a concessão de seguro-desemprego aos resgatados do trabalho escravo, benefício que lhes é garantido desde 2003, uma nova interpretação para os elementos que caracterizam a escravidão e que, portanto, norteiam a ação das operações de fiscalização foi publicada.

Hoje, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida do trabalhador) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

A nova portaria estabelece a existência de cerceamento de liberdade como condicionante para a caracterização de ''condições degradantes'' e de ''jornada exaustiva'', ao contrário do que está no artigo 149 do Código Penal. Segundo a lei, qualquer um dos quatro elementos é suficiente para caracterizar o crime.

Dessa forma, as condições de trabalho a que estão submetidas as vítimas, por piores que sejam, passam a ser acessórias para os flagrantes de trabalho análogo ao de escravo pelos auditores fiscais e a concessão de seguro-desemprego aos resgatados.

A portaria também reforça a questão do não consentimento do trabalhador para a caracterização de trabalho forçado. Hoje, em consonância com as Nações Unidas, as operações de resgates de pessoas têm considerado o consentimento irrelevante para a caracterização de trabalho escravo. Dessa forma, mesmo que uma pessoa aceite trabalhar só por comida, o Estado tem a obrigação de considerar tal ato como escravidão contemporânea.

A bancada ruralista e membros de outros setores econômicos com incidência de trabalho escravo, como o da construção civil, têm defendido que é ''difícil'' caracterizar ''condições degradantes'' e ''jornada exaustiva'', o que geraria ''insegurança jurídica''. Técnicos do Ministério do Trabalho e procuradores do Ministério Público do Trabalho afirmam que há instruções e enunciados detalhados e conhecidos a respeito disso, além de jurisprudência e decisões do próprio Supremo Tribunal Federal.

A portaria também condiciona a inclusão de nomes à ''lista suja'' do trabalho escravo, cadastro de empregadores flagrados por esse crime que garante transparência ao combate à escravidão, a uma determinação do próprio ministro. Ou seja, a divulgação pode deixar de ter uma caráter técnico e passar a contar com uma decisão política.

As novas regras afirma que, para serem válidos, os autos de infração relacionados a um flagrante de trabalho escravo depende da presença de um boletim de ocorrência lavrado por uma autoridade policial que tenha participado da fiscalização. Dessa forma, a palavra final sobre a existência de trabalho escravo pode sair das mãos de auditores fiscais, especialistas no tema, e passar para a dos policiais.

A portaria ocorre menos de uma semana após a exoneração do coordenador nacional de fiscalização do trabalho escravo do próprio ministério, André Roston. Sua dispensa causou polêmica porque a mudança teria partido da base de apoio do governo no Congresso Nacional em meio às negociações para que não seja admitida a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer. Em depoimento ao Senado Federal, Roston havia informado que as operações de fiscalização de trabalho escravo estavam sem recursos financeiros.


Alerta das Nações Unidas 

Há uma disputa no Congresso Nacional em torno da definição do que é trabalho escravo contemporâneo. Pelo menos três projetos tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal a fim de reduzir os elementos que caracterizam escravidão e, portanto, a sua punição. Contam com o apoio da bancada ruralista, entre outros setores econômicos, e de nomes próximos a Michel Temer, como o senador Romero Jucá (PMDB-RR), responsável por um deles.

Em abril do ano passado, a Organização das Nações Unidas defendeu oficialmente a manutenção do atual conceito de trabalho escravo no vigente no Brasil. O documento assinado por várias agências da ONU destaca avanços significativos do país, lembrando que ele é referência internacional no combate a esse crime. Mas faz alertas contundentes sobre ameaças ao sistema de combate à escravidão e traz recomendações. ''Nesse cenário de possíveis retrocessos, cabe à ONU lembrar à comunidade brasileira seu lugar de referência no combate ao trabalho escravo para a comunidade internacional.''

''Em 2003, o país atualizou sua legislação criminal, introduzindo um conceito moderno de trabalho escravo, alinhado com as manifestações contemporâneas do problema, que envolve não só a restrição de liberdade e a servidão por dívidas, mas também outras violações da dignidade da pessoa humana'', afirma o documento das Nações Unidas. ''Esse conceito, tido pela Organização Internacional do Trabalho como uma referência legislativa para o tema, está em consonância com suas Convenções'', conclui.

O texto alerta sobre os projetos que visam a mudar o conceito: ''Situações em que trabalhadores são submetidos a condições degradantes ou jornadas exaustivas, maculando frontalmente sua dignidade, ficariam impunes caso essa alteração legislativa seja aprovada''.

Cita diretamente o projeto de lei 432/2013 que regulamenta a emenda à Constituição número 81/2014, antiga PEC do Trabalho Escravo – que prevê o confisco de propriedades em que escravos forem encontrados e sua destinação a reforma agrária e ao uso habitacional urbano.

Parlamentares ruralistas transformaram o projeto de regulamentação em um ''Cavalo de Tróia'' para a mudança no conceito. O senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto, propôs incluir uma explicação do que seja ''condições degradantes'' e de ''jornada exaustiva'' utilizadas, hoje, nas operações de fiscalização a fim de dirimir dúvidas, mas seu relatório foi rejeitado pelos ruralistas.

Fonte: Uol

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